Os efeitos de um processo de treinamento especializado, iniciado antes do momento ideal, podem ocorrer em diversos níveis, nos fatores físico, psicológico e até mesmo social, geralmente em longo prazo.
Uma das primeiras causas que se pode notar, em indivíduos submetidos a processos de treinamentos indevidos, é o esgotamento das potencialidades, que conseqüentemente irão impedir o desempenho máximo do atleta no momento ideal. Isso ocorre devido a treinamentos inadequados em busca de altos rendimentos, nas fases iniciais do treinamento[1].
Ao queimar estas etapas, o jovem talento, até então com um prognóstico de um futuro esportivo promissor, possivelmente abandonará a prática esportiva devido ao sentimento de frustração[1].
O comprometimento no desempenho escolar é outro fator relevante, se considerarmos que este tipo de treinamento ocupa grande tempo na vida do atleta, levando-o muitas vezes à exaustão[1]. Por isso é importante que a programação de treinamento esteja em harmonia com as atividades escolares, já que grandes esforços físicos não devem ser seguidos de grande requisição intelectual e da mesma forma o contrário, pois as somas das fadigas físicas e mentais podem influenciar negativamente em ambos os processos, prejudicando áreas de desenvolvimento e conseqüentemente um abandono, geralmente da área escolar[2].
Sem um estímulo intelectual adequado, conseqüentemente, o indivíduo tende a encontrar maior dificuldade na assimilação de exigências futuras que necessitem de um maior raciocínio, como a técnica e a tática[2].
Outro fator relevante é o psicológico. Estudos apontam que crianças mais favorecidas tecnicamente estariam menos sujeitas a situações de stress competitivo devido à sua autoconfiança e motivação, o que explicaria, como uma espécie de “retroalimentação”, o aumento cada vez mais constante de seu desempenho. O contrário acontece com os menos favorecidos tecnicamente ou mais novos, pois estão mais sujeitos a este tipo de situação[4].
Principalmente em competições precoces, as crianças passam a ser submetidas a um elevado nível de pressão e stress psicológicos, por parte dos pais, professores/treinadores, dirigentes e principalmente por elas próprias. Não pela importância real da competição, mas sim, pela importância que elas dão àquela determinada competição, disputando um torneio de bairros como uma verdadeira “Copa do Mundo”. É notório que nesta fase de desenvolvimento, elas ainda não estão maduras o suficiente para lidarem com este tipo de situação[4].
Contudo as conseqüências mais visíveis são com relação aos aspectos físicos, principalmente nas atividades, em que se exija uma repetição constante de movimentos, na busca de um aperfeiçoamento em seu desempenho, ocorrendo lesões por repetições que são mais comuns aos adultos. Outros problemas físicos podem ser notados como: aumento de miocárdio (hipertrofia cardíaca), diminuição da taxa de hemoglobina no sangue, diminuição da resistência imunológica, além das próprias lesões por excesso de uso ou inadequação metodológica. Durante os 06 aos 12 anos de idade, principalmente, ocorre o “estirão”, neste período deve-se propiciar a maior vivência de movimentos possíveis, visando fornecer, ao jovem praticante, os movimentos de base, ou seja, totalmente contrário à limitação de alguns poucos movimentos específicos de determinada modalidade[1].
O desenvolvimento cerebral também pode ser afetado em sujeitos submetidos a este tipo de treinamento, já que áreas cerebrais estimuladas com maior freqüência que outras, podem acarretar prejuízos até mesmo na vida cotidiana futura do indivíduo. Na medida em que o sujeito estimula apenas os movimentos específicos da modalidade ou até mesmo da sua posição de jogo, ele tende a aperfeiçoar somente aqueles determinados movimentos, ficando aqueles menos exigidos defasados/comprometidos[1].
Considerando estes fatos, é possível que, na fase adulta, o atleta possa não ter as características necessárias para sua posição (altura, técnica, etc.), e devido a uma escassez de movimentos adquiridos, seja incapaz de se adaptar em outras posições. Este pode ser considerado um erro de avaliação na fase de seleção de talentos motores[3].
Portanto, caros leitores, estejamos atentos aos processos de treinamento em que submetemos nossas promessas esportivas. O “simples” fato de uma criança demonstrar talento esportivo acima da média para sua idade, não lhe tira o direito de ser vista como um ser humano em processo de formação, com todas as fases de seu desenvolvimento respeitadas, inclusive no contexto esportivo. Como vimos, nesta série de artigos relacionados à Especialização Esportiva Precoce, a busca por resultados imediatos poderá ocasionar sérios danos na vida deste jovem atleta, sejam eles nos aspectos físicos, psicológicos, motrizes ou até mesmo esportivos, sobretudo quando ele estiver adulto.
Prof. Esp. Donato Elias
Referências
[1]BALBINO, H. F. Jogos desportivos coletivos e os estímulos das inteligências múltiplas: bases para uma proposta em pedagogia do esporte. Dissertação de Mestrado. UNICAMP. Campinas-SP, 2001.
[2]BERGAMO, V. R. O perfil físico e técnico de atletas de basquetebol feminino: contribuições para identificação do talento esportivo múltiplo. Tese de Doutorado. UNICAMP. Campinas-SP. 2003.
[3]MOREIRA, S. M. Pedagogia do esporte e o karatê-dô: considerações acerca da iniciação e da especialização esportiva precoce. Dissertação de Mestrado. UNICAMP. Campinas-SP. 2003.
[4]RÉ, A. H. N., DE ROSE Jr., D., BÖHME, M. T. S. Stress e nível competitivo: considerações sobre jovens praticantes de futsal. Revista Brasileira Ciência e Movimento, Brasília, v. 12, n. 4, p. 83-87, dez. 2004.
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