Na postagem anterior, vimos o quanto é injusta a aplicação sistematizada de treinamentos a uma criança sem que a mesma ainda não esteja preparada, tendo em vista que a especialização precoce aos movimentos característicos de uma determinada modalidade esportiva pode acarretar em um possível abandono das atividades motoras características para sua idade, substituindo assim um amplo repertório motor futuro por um número limitado de movimentos.
Mas afinal, o que leva pais, dirigentes e professores a especializar precocemente um possível talento esportivo? Quais seriam as razões para isto? Será realmente compensatório?
Ao buscar respostas a estas inquietações na literatura é possível verificar muitas divergências de opiniões sobre o assunto, dificultando, portanto, apontar apenas um motivo, mas sim um conjunto de erros, culminando para tal.
Muitas vezes são os próprios pais que transferem a responsabilidade de um revés de seus fracassos (que muitas vezes ocorreram no âmbito esportivo) aos filhos. Os filhos, por sua vez, tendem a tentar suprir esta expectativa, principalmente no caso dos pais, pessoas importantes em suas vidas.
Assim a tentativa de reconhecimento momentâneo ou somente êxito em competições, sejam elas oficiais ou até mesmo insignificantes, acaba fazendo com que pais, professores e dirigentes, deixem de lado as prioridades no desenvolvimento das crianças para, de uma forma egoísta, suprir seus próprios interesses, que muitas vezes é a ilusória visão de uma independência financeira, à custa da promessa esportiva, sonhando com que o esporte de alto nível, se torne uma maneira rentável de conquistar estabilidade financeira. Refiro-me a este modo de pensar como ilusório, já que são poucos os atletas que realmente conseguirão obter salários milionários com o futebol ou o futsal.
Outro fator determinante à especialização esportiva precoce se dá por meio da competitividade precoce excessiva. Não é raro vermos competições para as categorias sub-9 ou menores nos mesmos moldes das competições realizadas para adultos, cujo objetivo principal é o de vencer sempre e a todo custo. Obviamente nestas fases de sua vida, a criança ainda não está preparada a lidar com este tipo de situação.
Estas competições infantis tendem a ser a cada edição mais divulgadas, ampliadas ou como os dirigentes preferem denominá-las “organizadas” de forma a elevar o nível “técnico” tornando-as mais fortes e disputadas já que a medida que a criança se destaca, o interesse dos dirigentes em buscar o talento na base, para compor sua equipe, é cada vez maior. Infelizmente, sabemos, esta busca se dá principalmente nestas competições.
Uma vez introduzido nesta equipe, que busca somente o resultado imediato, a criança passa a ser submetida a cargas de treinamento elevadas, visando, entre outros, maior rigor físico nas disputas de bola com os adversários, desrespeitando-se, assim, todo o processo de formação desta criança.
Vale insistir que crianças não são adultos em “miniatura” e que, programas de treinamentos de adultos não devem ser adaptados às crianças, tendo em vista que antes da puberdade, a criança tem pouca adaptação a este tipo de exigência.
É, portanto, fundamental que os pais se conscientizem de que aguardar o momento ideal para iniciar qualquer tipo de cobrança sobre seus filhos, ainda é o mais prudente e que os profissionais envolvidos com a questão “Detecção de Talentos Esportivos” busquem capacitação contínua, visando não somente a melhor formação do indivíduo como um todo, mas, sobretudo que este indevido processo de especialização esportiva precoce não ocorra. Especialização que, muito provavelmente, afaste este jovem do esporte ou desenvolva seqüelas psicológicas por toda sua vida.
Tamanha a complexidade em se trabalhar com as fases iniciais de desenvolvimento da criança no esporte que é possível recomendar que os profissionais mais graduados ou capacitados nesta área estejam engajados nesta questão, trabalhando com crianças e jovens talentosos, já que a iniciação e a formação esportiva necessitam de muito conhecimento e paciência de quem é responsável por este processo.
Referência
BALBINO, H. F. Jogos desportivos coletivos e os estímulos das inteligências múltiplas: bases para uma proposta em pedagogia do esporte. Dissertação de Mestrado. UNICAMP. Campinas-SP, 2001.
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