A postagem anterior, sobre a importância da preparação, sobretudo em uma equipe de futsal me fez refletir sobre alguns apontamentos com relação ao treinamento, no qual gostaria de compartilhar e abrir o espaço para discussões.
Há alguns dias atrás ouvi de um “treinador” um ditado popular antigo, mas infelizmente, ainda muito presente no meio esportivo e principalmente no futsal e no futebol. Tentando justificar sobre o fato de um de seus jogadores, que treinam todos os dias, estarem na reserva (de uma equipe de futebol amador) enquanto outro, chamado para o jogo no dia anterior ter jogado o tempo inteiro entre os titulares, tal “professor” disparou: “treino é treino e jogo é jogo”.
Discordo veementemente deste ditado popular, tão massificado por treinadores e futebolistas de diversos níveis, e lamento, em pleno século XXI, onde as facilidades em obter atualizações e informações são tão vastas, ter de ouvir, ainda, tal opinião.
Muito pelo contrário! As ações técnicas e táticas realizadas nas partidas estão diretamente relacionadas com o que é trabalhado nos treinos! Se treino fosse “somente” treino não seria necessário treinar, já que o jogo teria um fim nele próprio e as intervenções obtidas por meio do treinamento não seriam necessárias.
Por isso a importância de se cobrar que todos os atletas se preparem para os treinos como se estivessem se preparando para os jogos, ou seja, utilizem-se de caneleiras, faixas nos tornozelos e demais materiais de proteção, pois no treino deve conter bolas disputadas, jogadas de força e velocidade, além de divididas duras, fortes, sim! Pois nos jogos não será diferente. O treino deve preparar o atleta para o jogo.
Se Alcides Scaglia, um dos principais estudiosos de modalidades coletivas do Brasil, me permitir usar sua frase eu reforçaria que “Treino é jogo e Jogo é treino” diferentemente do popular “treino é treino e jogo é jogo”.
Acredito ser desnecessário dispensar palavras para dizer que sou totalmente contra qualquer tipo de jogada violenta ou desleal. Porém, o atleta deve vivenciar no treino, o máximo de possibilidades que se deparará no jogo. E, sabemos, no jogo, mesmo que de forma leal, haverá lances mais “duros” já que envolve a defesa de interesses próprios dos dois lados. Isso não significa que, para defender seu interesse, o atleta deverá ser desleal, mas certamente ele não irá lhe avisar ou pedir “por favor” antes de lhe “roubar” a bola.
Estamos cansados de ver atletas “mal acostumados”, que a qualquer entrada, fica se “esperneando” no chão, reclamando da entrada do adversário para a arbitragem, que sinalizou para o jogo seguir e não marcou a falta. Quando a maioria dos jogadores de uma equipe é assim, é possível deduzir a atmosfera diária dos treinamentos.
Da mesma forma se dá o esquema tático. A nova tendência em treinamento desportivo se dá pelo processo de treinamento integrado. Ou seja, pouco adianta uma equipe treinar exaustivamente, e de forma isolada, uma jogada de escanteio, por exemplo, e depois na hora do “coletivo” (na linguagem da “boleiragem”) o treinador não exigir, lembrar ou cobrar os atletas para colocar as jogadas treinadas em prática.
Isso explica o fato de vermos, com uma certa freqüência, equipes que possuem enorme dificuldade em sobrepor-se sobre o oponente quando encontram uma situação nova, diferente... Não conseguem criar, improvisar, porque não treinam com a bola rolando!
A equipe treinou repetidamente e de forma previsível as jogadas, porém esqueceram-se de que nos jogos o que vai prevalecer é o imprevisível! O adversário vai perceber a movimentação e vai “cortar caminho”, determinado jogador não vai conseguir chegar a tempo para fazer a jogada, os atletas não conseguirão fazer a movimentação pré-combinada, enfim, uma série de situações diferentes poderão ocorrer.
Por isto, também, digo aos meus jogadores responsáveis pelas cobranças de bola parada, que “a qualidade do passador é que vai fazer toda a diferença” – como diria Ferretti, já que será o passador quem irá decidir, em frações de segundos, o tempo de bola, a força do passe e a melhor possibilidade de jogada. Assim insistimos tanto no treinamento das diferentes variações de uma mesma jogada.
O método de treinar os diferentes fundamentos do atleta de forma isolada está cada vez mais ultrapassado. Inúmeros estudos científicos comprovam que o atleta deve, sim, treinar o chute, o passe, ou qualquer outro fundamento ou aspecto técnico, tático, físico, psicológico, social ou teórico com jogos. É por meio dos jogos que o atleta desenvolverá sua inteligência!
Não estou, aqui, descartando em definitivo o treinamento denominado tecnicista, em que o atleta fica repetindo passes ou chutes, por exemplo. Estes treinamentos, quando bem dirigidos, podem ser úteis para corrigir o gestual, ou seja, corrigir biomecanicamente, o posicionamento de corpo do atleta na hora de efetuar um chute, domínio, ou outro gesto técnico.
A proposta é treinar o chute, por exemplo, com um jogo de 2X1 ou 3X2, onde o atleta encontrará possibilidades mais próximas das que terá durante uma partida, diferentemente dos chutes de um único ponto e sem a presença do adversário para “atrapalhar”. Além disso, nos jogos citados como exemplo, o atleta estaria trabalhando outros fundamentos, como passe e deslocamento, além do próprio chute.
Por este motivo estimulo os atletas para que tenham uma leitura do que está acontecendo na partida, pois serão eles quem deverão escolher entre a melhor ou a mais segura possibilidade de jogada. O treinador pode estabelecer uma estratégia para a partida, mas quem colocará a tática em jogo, por meio de suas qualidades técnicas são os próprios atletas, inteligentes como são!
Aí está a importância de um treinamento integrado. Quando o treinador corrige um determinado posicionamento de corpo de seu atleta, na hora de receber a bola, ele está corrigindo o gestual, sem que seja necessário que este atleta fique recebendo inúmeros passes, no mesmo lugar, pois, assim, ele não estará colocando em pratica o que treinou durante a partida! No jogo ele terá o adversário deslocando seu corpo, a velocidade da bola será, em cada passe, diferentes, bem como a força e a direção desta, sem comentar a pressão da torcida, a importância de determinado jogo.
Portanto, exemplificando, quando o treinador faz um “Jogo do Passe Aéreo” ele está trazendo o fundamento de “domínio” mais perto da realidade em que o atleta irá se deparar nos jogos. A simples correção de um “girar de quadril” na recepção de passe em um trabalho tático é bem mais proveitoso que determinar que o atleta fique repetindo o gesto fora da situação de jogo, ou seja, o treinador estará aliando o treino técnico com o tático.
Reitero, o treinamento fragmentado pode ser útil, quando bem dirigido, e pode corrigir gestos técnicos, auxiliando principalmente nos aspectos motores dos atletas. Porém, sempre que possível os treinadores devem enfatizar as situações de jogo, pois é lá que o atleta deverá demonstrar bom desempenho, até porque um bom passe não é aquele em que o atleta faz o gesto técnico perfeito, mas sim o que chega até seu companheiro com possibilidade de este dar continuidade na jogada. Da mesma forma o chute, o que importa é bola na rede!
Portanto sigo a linha de Scaglia e repito “Treino é jogo e Jogo é treino”, acredito que assim traremos as necessidades dos jogos para a realidade dos treinos, além de conseguimos planejar uma estrutura tática nas partidas utilizando-as como uma forma de melhorarmos nossas equipes, transformando boas partidas em mais que bons jogos, mas sim, em excelentes oportunidades de treino e melhoras de desempenho.
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